Com 40 milhões de discos vendidos em 24 anos de carreira, a dupla sertaneja construiu um império, com negócios no meio da construção civil e agropecuária, e continua firme no saturado gênero musical.
Em 2005, entrava em cartaz nos cinemas brasileiros o filme 2 Filhos de Francisco, de Breno Silveira, que acompanhava o périplo de Zezé Di Camargo & Luciano, irmãos de família pobre no interior de Goiás, até se tornarem estrelas da música sertaneja. A trama de tom edificante levou 5 milhões de espectadores às salas e revigorou a imagem dos dois, que já haviam completado treze anos de carreira e começavam a perder o apelo da década de 1990, quando as duplas românticas viveram seu auge no Brasil.
Exatos dez anos depois, Zezé e Luciano, agora com 52 e 41 anos, respectivamente, ainda colhem os frutos da renovação de público que o longa trouxe e se mostram sólidos no abarrotado cenário sertanejo. Para além de serem uma das duplas mais longevas do meio, os irmãos também poderiam ensinar algumas lições para José Alfredo, o comendador da novela Império. Com um passado marcado por dificuldades financeiras, hoje os cantores se estabeleceram como dois importantes empresários, donos de investimentos nos mercados imobiliário e agropecuário.
“A gente apanhou no início, perdeu muito dinheiro. Não estávamos acostumados, éramos de família pobre, passamos fome. Ter um carro zero era uma utopia. Hoje faria muita coisa diferente”, diz Zezé em entrevista ao site de VEJA. Entre as lições que a vida lhe deu, está a superação dos desejos de menino deslumbrado com o que o dinheiro pode comprar. “Antes eu trocava de carro a cada seis meses, fazia coleção de relógios e de camisas de grife. Uma vez fui à Versace, em Paris, e comprei todos os modelos de camisa da loja. Hoje acho isso uma tremenda bobagem”, diz o cantor, que dirige uma Mercedes, ano 2008, e diz comprar roupas em lojas de departamento.
Braço direito – A administração dos investimentos é responsabilidade de um terceiro irmão, que se destaca nos bastidores. “A gente canta, e o Emanoel conta”, diz Zezé sobre Emanoel Camargo, 43, empresário da dupla e cabeça dos negócios da família.
Entre as empresas administradas por ele estão uma de logística e uma incorporadora que atuam no setor imobiliário e de construção civil. Elas representam cerca de 65% da renda familiar. Os sertanejos também participam ativamente dos investimentos, mas Zezé tem uma paixão extra e também lucrativa. Aspirante a pecuarista, o cantor cria em uma generosa propriedade em Araguapaz, Goiás, gado nelore puro, que chega a valer até 1,5 milhão de reais por cabeça. Apesar de parecer um negócio e tanto aos olhos comuns, a participação da agropecuária na receita do grupo representa pouco menos de 5%. “É um hobby”, diz Emanoel. Já a música, contribui com os 30% restantes.
“Estes negócios são nosso futuro, a aposentadoria. Mas nosso principal produto é a música. Tudo que nós temos foi ela que nos deu”, diz Zezé. A aposentadoria, contudo, se mantém em um futuro distante, já que ambos não têm planos de encerrar tão cedo a carreira que chega aos 24 anos, com um histórico de 40 milhões de discos vendidos. “A música tem que ser eterna enquanto eu durar”, diz Luciano. “Eu fiz uma grande besteira no passado ao falar que ia me separar do meu irmão e parar de cantar. Foram cinco segundos de loucura. Você nunca mais vai ouvir isso de mim.”
Sertanejo - Deixar o sertanejo neste momento certamente não seria uma opção inteligente. O gênero ganhou novo fôlego nos últimos anos e voltou a dominar as rádios, televisões e rankings de mais vendidos. Em 2014, segundo lista divulgada pela agência Crowley, que mede quantas vezes as canções são executadas pelas emissoras do país, os sertanejos estiveram presentes em nove das dez primeiras posições. Zezé Di Camargo & Luciano aparecem na sétima posição, com a canção Flores em Vida, do 19º álbum de estúdio da dupla, Teorias de Raul. A aceitação da música pelo público foi tanta que ela acabou promovida ao título do novo DVD, gravado em janeiro, no Citibank Hall (SP), e que chega às lojas em abril. A agenda de apresentações dos goianos segue a alta do estilo e continua cheia, com uma média de 150 shows por ano, e cachê entre 200 000 e 250 000 reais.
Os artistas ansiosos por abocanhar uma fatia do próspero meio musical não provocam pesadelos nos irmãos, que se sentem isolados no mercado. “Nós somos a dupla mais romântica do Brasil. A sonoridade mudou, mas continuamos a gravar o mesmo estilo de sempre. Com tanta gente fazendo tudo igual, nós acabamos diferentes”, diz Luciano. “Hoje tem sertanejos que, na verdade, não têm nada a ver com estilo. Eles se autointitulam sertanejos para facilitar a difusão em rádio. Eles são tudo, axé, funk, mas não são sertanejos”, diz Zezé.
A competição, aliás, nunca foi o forte da dupla, já que o bom relacionamento com outros artistas também faz parte da estratégia de sobrevivência (e lucro), especialmente para Zezé, que nos bastidores é um nome importante como compositor. A função de letrista foi uma das primeiras assumidas por ele, quando, no fim dos anos 1980, outros artistas passaram a entoar seus versos. Hoje, quem consome a maior parte do que ele escreve é a própria dupla, que tem uma gaveta com mais de 45 composições guardadas. “Se eu vivesse só com o que ganho como compositor eu teria um salário de um bom executivo de uma multinacional. Viveria bem”, diz. “Os maiores artistas que perpetuaram sua carreira eram compositores. Como Chico Buarque, os Beatles, Roberto Carlos. Esse é um dos segredos da nossa longevidade.”