O que leva cada vez mais pessoas a abrir mão de sua privacidade e divulgar detalhes da sua intimidade nas redes sociais, numa exposição sem limites e repleta de riscos

"Ela não anda, ela desfila, é top, capa de revista. É a mais mais,
ela arrasa no look. Tira foto no espelho pra postar no Facebook"
O funk “Ela é Top”, de MC Bola, onipresente nas pistas brasileiras desde abril do ano passado, descreve uma típica garota carioca, de formas, gestuais e vestuário superlativos, que, não contente em chamar a atenção por onde passa, registra todos os seus provocantes trajes em fotos e os posta nas redes sociais. Tamanho sucesso tem explicação óbvia, além do ritmo pegajoso e hipnotizante. O hábito da musa de MC Bola é adotado por milhões de pessoas, homens e mulheres que, desde a mais tenra idade, numa viagem um tanto inconsequente e com altas doses de carência, diversão e despreocupação, abrem mão da privacidade e compartilham sua rotina e intimidade nas redes sociais, numa exposição sem limites e repleta de riscos. Até o presidente dos Estados Unidos embarcou nessa onda egocêntrica. Na terça-feira 10, Barack Obama, o primeiro ministro britânico, David Cameron, e a premiê da Dinamarca, Helle Thorning-Schmidt, ganharam a atenção do mundo ao registrarem um polêmico autorretrato pelo celular durante o funeral do líder africano Nelson Mandela.

 Ainda que a foto não tenha ido parar em nenhuma rede social, o gesto do poderoso trio é uma marca dos dias atuais, tanto que ganhou um nome: selfie. O termo em inglês é usado para descrever fotos de si mesmo e foi eleito pelo “Dicionário Oxford” como a palavra do ano. Se antes as chances de fotografar pessoas e momentos únicos estavam restritas a, no máximo, 36 poses de um filme, hoje as novas tecnologias possibilitam infinitas tentativas, com os mais diversos conteúdos. São inúmeras as ferramentas para registrar imagens e lugares, produzir vídeos e publicá-los na internet, passatempo hoje de milhões de usuários das redes sociais. O Brasil se destaca nessa área. Uma pesquisa realizada pela Nielsen detectou que os brasileiros são os que mais usam mídias sociais no mundo, superando países mais populosos como Estados Unidos, Índia e China. O levantamento mostra que 75% da população nacional acredita que a principal função do smartphone é acessa-las.

“As pessoas gostam de se relacionar e de contar aspectos de sua vida particular às outras e a web potencializou esse comportamento”, afirma Fernanda Pascale Leonardi, especialista em direito digital. “Os brasileiros têm o hábito de se expor, de dizer que vão viajar, de contar o que compraram, mas é preciso entender que na internet há um nível insuficiente de privacidade.” A bacharel em direito Gabriela Fonseca, 25 anos, é adepta das redes sociais desde os tempos do Orkut. Por meio dele, por exemplo, conheceu o marido, Bruno Barioni. E pelas novas plataformas descobriu um jeito inovador de organizar seu casamento. “Encontrei minha assessora por meio do Facebook e todos os fornecedores foram contratados pelo Instagram.” Um dia antes da cerimônia, Gabriela teve a ideia de pedir para seus convidados desbloquearem as redes sociais para que ela pudesse ter acesso às fotos do dia. Com isso, criou-se uma teia de amigos que compartilhavam informações sobre o evento. “Percebi que as pessoas começaram a usar mais as redes sociais durante as cerimônias”, diz. Temos, então, o que muitos críticos apontam como a sociedade do espetáculo, na qual comemorações particulares ganham ares de grandes acontecimentos públicos.
 
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