O plenário do Senado pode votar nesta terça-feira um projeto de lei que obriga o preso aressarcir os gastos do Estado com sua manutenção na cadeia. Proposto pelo então senador Waldemir Moka em 2015, o PLS 580 foi aprovado com alterações no Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) da Casa e foi incluído na ordem do dia da sessão deliberativa.
O projeto chegou a entrar na pauta de 28 de maio, mas não foi apreciado pelo plenário, diante dos temores de senadores de que a imposição de pagamento pudesse submeter os presos a trabalhos forçados ou endividá-los no processo de reintegração à sociedade. A proposta, que altera parte da Lei de Execução Penal (LEP), prevê que o apenado use recursos próprios ou, se não tiver condições econômicas, use parte da remuneração de seu trabalho durante o cumprimento da pena para ressarcir os cofres públicos.
Em seu parecer na CDH, a relatora Soraya Thronicke (PSL-MS) fixou um desconto mensal de até um quarto da remuneração recebida pelo preso para custear as despesas. Caso tenha condição financeira de pagar suas despesas e não o faça, o preso será inscrito na "dívida ativa da Fazenda Pública". Se comprovadamente não tiver como arcar com o valor, terá a suspensão desta dívida por cinco anos. Neste período, se a sua situação financeira não mudar, a obrigação de pagamento será extinta, segundo o projeto.
"Ainda que o preso trabalhe e que a remuneração viabilize os descontos em favor do Estado, pode ser que o valor auferido durante a execução da pena seja insuficiente para custear todas as despesas de manutenção. Pensando nisto, para que o preso hipossuficiente não saia da prisão já como um devedor, o que seria um primeiro obstáculo a sua ressocialização, e para que fique bem claro que o objetivo da proposta não é criminalizar a pobreza, estamos propondo a suspensão da exigibilidade do débito", argumentou Soraya no relatório.A senadora Soraya Thronicke, na Comissão de Direitos Humanos Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado/13-05-2019
A proposta foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, no meio do ano passado mas, sem consenso para votação, não foi avaliada em plenário. Na época, o relator da proposta na CCJ, o hoje governador Ronaldo Caiado (Goiás), disse que o custo médio de cada preso para o contribuinte no Brasil era de R$ 2.440 por mês. Em 2016, a então presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, orçou em R$ 2,4 mil o gasto mensal com um preso no país. Estudo do Ministério da Justiça realizado em 2015 apontou que um detento no sistema federal de segurança máxima chegava a custar R$ 15,8 mil mensais .
A LEP estabelece que a remuneração do detento não pode ser inferior a três quartos do salário-mínimo nacional. Segundo a relatora, a "indenização" do Estado pela manutenção em estabelecimento prisional "não é nenhuma novidade e também nenhum absurdo, pois todos sabemos que tudo tem um custo e que todos devemos quitar nossas dívidas". No texto, ela ponderou que o projeto tem natureza cível, e não criminal, o que não significa, na visão dela, punir o condenado mais uma vez pelo crime praticado. Ela ressalta aprender o valor do trabalho e do dinheiro "é questão básica para a reinserção social".
"De forma alguma estamos defendendo que o preso seja submetido nem a trabalhos forçados (hipótese desumana, além de inconstitucional), nem a trabalho obrigatório. A sugestão do PLS traz a obrigatoriedade para o ressarcimento, e o trabalho é somente uma forma encontrada para que o preso consiga arcar com esta despesa", pontuou.
Estado deverá dar oportunidade de trabalho
Na CCJ do Senado, o relator Ronaldo Caiado destacou que o cálculo da quantia a ser paga pelo condenado seguiria os parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) na Resolução 6, de junho de 2012. A normativa prevê que o custo mensal do preso será resultado do total de despesas apresentado no mês — entre salários, aluguéis de material, alimentação, higiene, assistência à saúde, entre outros — dividido pela população carcerária no estabelecimento no mesmo período. Os Estados devem encaminhar os dados ao Departamento Penitenciário Nacional, que elaboram tabela de despesas a ser enviada às Secretarias de Estado do ramo.
A proposta de ressarcimento das despesas na cadeia por meio do trabalho, de acordo com Soraya, não afeta a indenização dos danos causados pelo crime, a assistência à família e as pequenas despesas pessoais do preso — alternativas às quais a remuneração do apenado em atividade na prisão já era destinada, segundo o art 19 da LEP.
No relatório, Soraya ponderou que o Estado nem sempre sempre terá condições de dar oportunidades de trabalho para o preso. Nesta hipótese, não será exigido dele que arque com os custos da manutenção na cadeia.
"Do contrário, estaríamos submetendo o condenado a uma situação paradoxal, impossível, de ter que cumprir seu dever sem que fossem proporcionadas as condições necessárias para o seu cumprimento. Lembremos que a pessoa encarcerada não dispõe de plena autonomia para se inserir no mercado de trabalho, e depende da intermediação do Estado se desejar exercer uma atividade remunerada", destacou a senadora.
A senadora do PSL ainda acolheu em seu relatório uma ponderação do parlamentar petista Humberto Costa (PE). O projeto alterado pela CDH prevê que a falta de sentença definitiva impeça a imediata transferência ao Estado dos recursos do preso ou dos descontos em sua remuneração. O dinheiro será depositado judicialmente e deverá ser revertido para o custeio da prisão apenas após a condenação transitar em julgado.
"No caso de absolvição, os valores depositados serão restituídos ao preso", ressalta Soraya. No Brasil, 34,4% dos detentos ainda aguardam julgamento, segundo levantamento do CNJ.
A senadora argumentou no relatório que a proposta goza de apelo popular. Em enquete na plataforma online do Senado, o texto recebeu o apoio de 46,6 mil pessoas. Outras 1.494 votaram "Não" ao projeto de lei.
Caso seja aprovada pelo Senado, a proposta será remetida à Câmara dos Deputados, que fará nova análise sobre o texto. Se a Casa revisora decidir alterar algum ponto do projeto, ele deverá retornar ao Senado, que voltará a votá-la antes de remetê-la à sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro.